MARPVZ19/20 é um projecto pessoal de dois anos (2019-2020) implementado sob a forma de uma residência artística apoiada pelo município da Póvoa de Varzim.
Apresentação da residência artística

A residência artística surge no seguimento do trabalho que tenho vindo a desenvolver posterior à instalação MAR, que concebi a convite do Museu de Arte Contemporânea de Serralves e que esteve instalada na Capela de Serralves em Junho de 2018.

Esta é uma oportunidade para levar muito mais longe o trabalho que realizei com a instalação MAR, e posteriormente com a instalação Under the Above apresentada na Solar – Galeria Cinemática em 2018. Paralelamente a estas obras tenho vindo a desenvolver um trabalho documental que pretendo agora explorar mais a fundo e dedicar dois anos da minha vida a fotografar, filmar e a pensar no mar e nas pessoas que ainda hoje vivem dele. É minha intenção transformar esse trabalho em objetos e interpretações artísticas e documentais dessa realidade que perdurarão no tempo e serão testemunhos no futuro de um período de tempo singular em que ainda tínhamos uma relação com o mar remotamente semelhante à que os nossos antepassados tiveram, e que dentro de muito pouco tempo já não existirá por completo.
Durante a produção da instalação MAR embarquei em vários barcos de pesca poveiros e essa experiência tocou-me de uma forma que ainda hoje não consigo compreender totalmente.
É difícil entender se foi apenas a experiência de estar no mar, a partilha de momentos únicos ou a cumplicidade com os pescadores que me aceitaram como um deles, ou se foi algo que se revelou, inesperadamente, dentro de mim.
O certo é que quero ir para o mar, e sempre que vou levo comigo a ansiedade de capturar algo tão fugaz e imaterial que provavelmente habita apenas dentro de mim, mas mesmo assim vou armado de uma ingenuidade que é própria de quem persegue algo que sabe existir. Nunca antes tinha questionado a minha relação com o mar nem com a pesca ou os pescadores poveiros. No entanto, a minha ligação ao mar é certamente resultado de ter vivido a minha infância e a maior parte da minha vida adulta na Póvoa de Varzim, perto do mar. Mas após o convite de Serralves algo em mim automaticamente despertou para esta questão. Realmente, existia e existe em mim uma relação muito mais profunda do que aquela que conscientemente pensava existir.
E que relação é essa? As minhas primeiras memórias remetem-me para os passeios junto ao mar, pelo cais e porto de pesca com o meu avô João Silva, que não era pescador, ao contrário do resto da sua família, mas sim um alfaiate reformado que chegou a imigrar para o Brasil (como muitos poveiros). As visitas à lota junto à praia para comprar peixe com a minha mãe e os dias passados junto à enseada onde os pequenos barcos se abrigavam, e pelo porto de pesca com a sua constante entrada e saída de barcos.
Anos mais tarde, quando já era um pouco mais velho, percorria o cais sozinho ou por vezes acompanhado de amigos. Admirava as gigantescas pedras de granito que protegiam o cais da fúria do mar e explorava os espaços entre elas como se de grutas se tratassem. Era uma experiência particularmente excitante quando o mar estava mais agitado, já que as ondas por vezes galgavam o paredão e molhavam quem por lá passava.
Ainda hoje os poveiros percorrem o cais em dias de bom tempo para sentirem os salpicos de água salgada na face, tal como os pescadores o sentiram e ainda hoje o sentem ao passarem a barra.
As mulheres dos pescadores vestidas de preto eram também uma visão constante. Havia uma dor que permeava esta gente e ao crescer na Póvoa de Varzim, inevitavelmente somos expostos a esta dor que acaba por fazer parte da nossa cultura. O perigo e a morte estavam presentes, quer por ver partir os pescadores, quer pelas histórias dos naufrágios que nos chegavam de tempos em tempos.
A vida em terra e no mar estava intrinsecamente ligada a essa realidade de coragem e dor, especialmente se vivêssemos junto da comunidade piscatória ou se tivéssemos familiares que fizessem parte dela.
No âmbito desta residência artística pretendo editar três livros acompanhados das suas respectivas exposições de fotografia, e produzir duas novas instalações e um documentário. As exposições estarão patentes no Museu Municipal e n’A Filantrópica. As instalações serão mostradas junto à Igreja da Lapa e na capela da fortaleza de Na Sra da Conceição.
O documentário será exibido pela primeira vez no Cine-Teatro Garrett.
A residência artística arrancou em Março de 2019 com a exibição do vídeo da instalação MAR. Este foi, simbolicamente, o arranque da residência artística.
Em Julho partimos mar dentro através do projeto Atlântico, um projeto fotográfico composto por uma exposição fotográfica e um livro que relata a minha viagem da Póvoa de Varzim até Ponta Delgada e a pesca ao largo dos Açores, a bordo do Íris do Mar.
No final do ano apresentarei o projeto Sardinha, um livro e uma exposição de fotografia sobre os homens que ainda hoje pescam esta espécie tão procurada pelos Portugueses e atualmente em risco de extinção.
Em 2020, apresentarei uma instalação multimédia ao ar livre, junto à Igreja da Lapa, intitulada Supplica, em evocação à tragédia de 27 de Fevereiro de 1892. A seguir, em Junho, apresentarei uma instalação sonora reativa intitulada Búzio na capela da fortaleza de Na Sra da Conceição.
O projeto final, intitulado 7 Barcos, 7 Vidas, 7 Mares, é um projeto extenso que será desenvolvido ao longo dos dois anos da residência artística e que resultará num livro, numa exposição de fotografia e num documentário.
Este projeto será integrado, no mestrado de fotografia e cinema documental que frequento atualmente na ESMAD, como tese de mestrado.
