
MAR pretende exprimir o que foi, e ainda é, partir para o mar. Experienciar essa realidade que envolve ter o desconhecido à nossa frente e abandonar o familiar atrás de nós. A dicotomia entre estes dois mundos que se fundem e se separam em vários momentos da vida. O ser humano como explorador e como ser sensível e social que sente a dor e a esperança enquanto luta contra o mar e contra os seus próprios demónios.
Cada viagem é uma oportunidade para uma transformação pessoal. Enfrentamos os nossos medos e receios. Não importa o destino, mas sim o caminho que é necessário percorrer. É esse caminho, que depois de per-corrido, nos leva a um lugar ausente de tempo e espaço. Um lugar que nós conhecemos muito bem, mas do qual já não temos memória. O pescador poveiro encontrava esse lugar no mar, assim como o pastor o encontra na montanha. Essa é a nossa derradeira fronteira, a nossa paz interior. MAR é uma meditação sobre esse lugar. MAR questiona-nos sobre a nossa condição enquanto seres humanos e a reverência perante a natureza (“Deus”), e o impulso humano e a sua necessidade constante em desafiar algo maior do que a sua própria vida.
Utilizo a imagem em movimento para representar visualmente o mar mas é através do som que construo uma narrativa espacial e temporal que coloca o visitante numa posição central permitindo-o experienciar o futuro, o presente e o passado que coexistem e acontecem em planos espaciais distintos na instalação.
O único elemento visual que propositadamente escolhi mostrar foi o mar. Este não mudou, continua indomável, misterioso e impenetrável.
O que vemos nesta instalação é também o que os pescadores poveiros vêm e sempre viram à sua frente, um horizonte carregado de sofrimento e esperança.
O que ouvimos num primeiro plano, à nossa frente, é o som ambiente e a banda sonora. Num segundo plano, central, ouvimos a vida a bordo dos barcos, o trabalho, o cansaço, o desespero e a esperança. Num terceiro plano (atrás de nós), ouvimos homens e mulheres em terra a trabalhar e somos como que transportados de volta a uma época em que ser Poveiro era ser algo mais do que apenas um pescador.
A narrativa desta instalação está assente numa realidade que eu próprio, até então, nunca tinha experienciado. Nunca fui pescador, nem nunca antes me tinha aventurado em alto mar, tal como a maior parte da minha geração tão pouco o fez. Mas o que sempre me impressionou foi essa mistura de coragem por parte de homens, conhecidos como “Lobos do Mar”, e com a forma como o pescador Poveiro subsistia, unicamente do mar, e a degradação social e económica resultante de não puder ir ao mar, o seu único sustento. Essa degradação social, que resultou no estigma de ser pescador, afastou várias gerações desta herança e apagou da nossa memória um povo único.
MAR foi, e é através do trabalho que continuo a desenvolver, a oportunidade para me reconciliar com este passado e cultura, que também são meus.
Esta é a minha pequena contribuição para a celebração de um passado, mas também, e talvez mais importante do que isso, a celebração de um presente que será certamente passado um dia.
Agradecimentos: CMPV (Aires Pereira, Luís Diamantino, Francisco Casanova), MAC de Serralves, Cine Teatro Garrett (Manuela Ribeiro), BMPV (Manuel Costa), MMPV (Deolinda Carneiro), Capitania do Porto da PV (José Manuel Marques), APMSHM (José Festas), Maria do Desterro, Pedro Oliveira, Daniel Curval, Cesário Alves e especialmente aos patrões, mestres e tripulações das embarcações Senhora dos Anjos, Domingos Manuel, Cristo Jovem, Fúria, Fugitivo e Virgem Santíssima sem os quais nunca teria encontrado o meu caminho.